O testamento é o ato pelo qual o testador (autor da herança[1]) formaliza sua vontade de transmitir os seus bens e determinar certos encargos para depois de sua morte, com a indicação de herdeiros e legatários[2], o que, em regra geral, ocorre por meio de documento escrito e formal.
Quais são as modalidades de testamento?
O testamento pode ser realizado de três formas comuns (ordinárias): o público, o cerrado e o particular.
O testamento público é aquele escrito por Oficial público (tabelião), em seu livro de notas, de acordo com as declarações do testador, na presença de duas testemunhas, e leva as assinaturas do testador, das testemunhas e do Oficial.
O testamento cerrado é fechado em envelope cosido e com lacre e só pode ser aberto após a morte do testador em audiência presidida pelo Juiz competente para verificação da sua regularidade formal. Esse tipo de testamento é escrito pelo testador ou por outra pessoa que escolher, assinado pelo testador, entregue ao Oficial para o auto de aprovação, colhendo-se as assinaturas do tabelião, do testador e das testemunhas, cerrado em envelope próprio e entregue ao interessado. Apenas o auto de aprovação é lançado no livro de notas.
O testamento particular é escrito e assinado pelo testador, lido perante três testemunhas, devendo ser publicado em juízo após a morte do seu autor, com a citação dos herdeiros legítimos para confirmação judicial. O testamento ficará guardado com o testador ou com quem ele entender que deve manter o documento em segurança. Não há intervenção do tabelionato de notas, nem publicidade do testamento. Por isso, há de se atentar ao fato de que o documento não é público, então, se não for apresentado por quem o guardou ou sabia de sua existência, nada poderá ser feito para seguir a vontade do testador.
Além dessas, ainda existem as formas especiais de testamento, que são: o marítimo, o aeronáutico e o militar, com subespécie de nuncupativo militar.
O testamento marítimo é elaborado a bordo de navios nacionais, mercantes ou de guerra, registrado pelo comandante e duas testemunhas. Ele só será considerado válido se realizado no curso de uma viagem e o navio não esteja atracado no porto onde seria possível elaborá-lo de forma comum. Além disso, a sua eficácia está condicionada à morte do testador durante a viagem ou nos 3 meses subsequentes ao seu desembarque, pois, passado esse período já seria possível que o testador o fizesse pela via ordinária.
O testamento aeronáutico é feito pelo testador perante pessoa designada pelo piloto, observados os mesmos procedimentos do testamento marítimo, inclusive seu prazo de eficácia.
O testamento militar é aquele feito somente por militares e demais pessoas a serviço das Forças Armadas, e que estão, efetivamente, em guerra dentro ou fora do país. Assim, o testamento será realizado perante duas ou três testemunhas e se o testador não puder ou não souber assinar, uma das testemunhas poderá assinar em seu lugar.
Como subespécie do testamento militar está o testamento nuncupativo militar, reservada aos militares em combate ou feridos. Neste caso o testamento poderá ser feito oralmente à duas testemunhas. Porém, perde seu efeito caso o testador não venha a falecer na guerra ou em consequência de seu ferimento.
Quem pode deixar um testamento?
O Código Civil dispõe em seu art. 1.857 que “toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte” e, além disso, no art. 1.860, parágrafo único que “podem testar os maiores de dezesseis anos.”.
Assim, apesar de as pessoas maiores de dezesseis anos e menores de dezoito serem considerados relativamente incapazes (art. 4º, I do Código Civil), no caso do testamento elas são consideradas aptas para testar, independentemente de assistência por seu responsável legal.
O Código Civil ainda acrescenta uma questão subjetiva sobre quem não é considerado capaz para testar, qual seja: “art. 1.860. Além dos incapazes, não podem testar os que, no ato de fazê-lo, não tiverem pleno discernimento.”
É importante frisar que a lei não institui idade máxima para alguém realizar o testamento e nem determina a nulidade do documento em caso de incapacidade superveniente do testador. Neste último caso, isso significa que se uma pessoa estava apta para testar no momento da realização e assinatura do testamento, este permanecerá válido, ainda que venha a ser atingida por eventual incapacidade posteriormente em sua vida.
Além disso, o testamento pode ser revogado pelo testador (em plena capacidade), no todo ou em parte, a qualquer tempo.
Quem pode ser beneficiário do testamento?
De acordo com o Código Civil:
Art. 1.798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão.
Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder:
I - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão;
II - as pessoas jurídicas;
III - as pessoas jurídicas, cuja organização for determinada pelo testador sob a forma de fundação.
Assim, percebe-se que não se pode beneficiar coisas, animais e/ou entidades não representadas por pessoa jurídica. No entanto, é possível destinar indiretamente a herança mediante legado com encargo à determinada pessoa (física ou jurídica), que beneficie animal (para seu cuidado), coisas ou entidades.
Além disso, legalmente, existem certas restrições a quem pode suceder no testamento:
Art. 1.801. Não podem ser nomeados herdeiros nem legatários:
I - a pessoa que, a rogo, escreveu o testamento, nem o seu cônjuge ou companheiro, ou os seus ascendentes e irmãos;
II - as testemunhas do testamento;
III - o concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver separado de fato do cônjuge há mais de cinco anos;
IV - o tabelião, civil ou militar, ou o comandante ou escrivão, perante quem se fizer, assim como o que fizer ou aprovar o testamento.
Art. 1.802. São nulas as disposições testamentárias em favor de pessoas não legitimadas a suceder, ainda quando simuladas sob a forma de contrato oneroso, ou feitas mediante interposta pessoa.
Parágrafo único. Presumem-se pessoas interpostas os ascendentes, os descendentes, os irmãos e o cônjuge ou companheiro do não legitimado a suceder.
É possível dispor de todos os bens em testamento?
Depende.
Ainda no Código Civil está disposto no art. 1.789 que “havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança.”, e no art. 1.846 que “pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.".
Mas, afinal, quem são esses “herdeiros necessários”?
Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.
Os herdeiros necessários são aqueles que tem direito à “legitima”, ou seja, a metade da herança que por lei lhes é garantida.
Assim, se o testador for solteiro, não tiver pais, filhos e nem companheiro (que se equipara ao cônjuge[3]), e quiser dispor de todos os seus bens em testamento, ele pode.
Contudo, se houver algum herdeiro necessário, só será possível dispor em testamento da metade do que tiver.
Quais as características de um testamento?
O testamento tem como suas principais características o fato de ser:
Unilateral: dependendo unicamente da vontade do testador;
Personalíssimo: não admitindo intervenção de terceiros quanto a sua disposição;
Revogável: sendo possível que o testador o revogue no todo ou em parte a qualquer tempo;
Formal/Solene: porque tem um modelo e regras próprias a serem seguidas para que se torne válido;
Eficácia contida: uma vez que só passa a ter efeito após a morte do testador.
E qual a utilidade do testamento?
Além de declarar a vontade do autor da herança, ou seja, do testador, o qual consegue dessa forma dispor sobre a distribuição de seu patrimônio da maneira que entender ser mais adequada (e até mesmo justa a seu ver), ainda é possível fazer declarações não patrimoniais.
Desse modo, o testador pode, por exemplo: impor restrições à utilização dos bens; nomear tutor para seus filhos; reconhecer um(a) filho(a); incumbir alguém a cuidar de um animal de estimação; deserdar algum herdeiro necessário[4].
Em conclusão, o testamento, apesar de ser um assunto um pouco desconfortável para algumas pessoas, é um documento por meio do qual é possível apresentar soluções muito vantajosas, tanto para quem o realiza quanto para quem se beneficia dele após a morte do testador.
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[1] Resumidamente, entende-se por “autor da herança” a pessoa que veio a falecer e por “herança” o conjunto de bens, direitos e obrigações que uma pessoa falecida deixa aos seus sucessores.
[2] De forma suscinta pode-se dizer que herdeiro é aquele que recebe a herança de forma universal, no todo ou uma cota-parte desta, enquanto que o legatário é aquele que recebe um determinado bem, especificado no legado.
[3] “Recurso extraordinário. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002”. (RE 878694, Relator(a): Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 10/05/2017, Processo Eletrônico Repercussão Geral - Mérito DJe-021. Divulg. 05-02-2018. Public. 06-02-2018)
[4] A deserdação precisa ser pautada em alguma das previsões do código civil: artigos 1.814, 1.961 a 1.965.
Referências:
AMORIM, Sebastiação; OLIVEIRA, Euclides de. Inventário e Partilha: teoria e prática – 26. Ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
CÓDIGO CIVIL. Lei 10.406/2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso em: 24/05/2022.
TJDF. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Indignidade x Deserdação. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/indignidade-x-deserdacao. Acesso em: 25/05/2022.