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22 de junho de 2022
Direito Imobiliário

STJ decide que bem de família pode ser penhorado por dívida de contrato de empreitada global para construção do imóvel

"A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que se admite a penhora do bem de família para saldar o débito originado de contrato de empreitada global[1] celebrado para a construção do próprio imóvel.


A discussão surgiu na cobrança de dívida originada de contrato firmado para a construção do imóvel de residência dos devedores. O tribunal de segunda instância autorizou a penhora, entendendo que o caso se enquadra na exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no artigo 3º, II, da Lei 8.009/1990 (dívida relacionada ao financiamento).


Os devedores alegaram que, sendo exceção à proteção legal da moradia, o dispositivo deveria ser interpretado restritivamente, alcançando apenas o titular do crédito decorrente do financiamento, ou seja, o agente financeiro. Isso excluiria o empreiteiro que fez a obra e ficou de receber diretamente do proprietário.


Proteção especial do bem de família não é absoluta


Relatora do processo no STJ, a ministra Nancy Andrighi lembrou que o bem de família recebe especial proteção do ordenamento jurídico. No entanto, ela observou que a impenhorabilidade não é absoluta, de forma que a própria lei estabeleceu diversas exceções a essa proteção – entre elas, a hipótese em que a ação é movida para cobrança de dívida decorrente de financiamento para construção ou compra de imóvel.


A magistrada destacou que as hipóteses de exceção, por restringirem a ampla proteção conferida ao imóvel familiar, devem ser interpretadas de forma restritiva, conforme entendimento já firmado pela Terceira e pela Quarta Turma do STJ.


"Não significa, todavia, que o julgador, no exercício de interpretação do texto, fica restrito à letra da lei. Ao interpretar a norma, incumbe ao intérprete identificar a 'mens legis', isto é, o que o legislador desejaria se estivesse vivenciando a situação analisada", afirmou.


Legislador se preocupou em evitar deturpação do objetivo da Lei 8.009/1990


No caso analisado, a relatora ponderou que há a peculiaridade de ser a dívida relativa a contrato de empreitada global, segundo o qual o empreiteiro se obriga a construir a obra e a fornecer os materiais.


Nancy Andrighi salientou que o STJ já se manifestou no sentido de que a exceção do artigo 3º, II, da Lei 8.009/1990 se aplica à dívida oriunda do contrato de compra e venda do imóvel e à contraída para aquisição do terreno onde o devedor edificou, com recursos próprios, a casa que serve de residência da família.


Além disso, citou precedente em que a Quarta Turma, ao enfrentar questão semelhante (REsp 1.221.372), entendeu que a palavra "financiamento", inserida no inciso II do artigo 3º da Lei 8.009/1990, não restringiu a impenhorabilidade às situações de compra ou construção com recursos de agentes financiadores.


"É nítida a preocupação do legislador no sentido de impedir a deturpação do benefício legal, vindo a ser utilizado como artifício para viabilizar aquisição, melhoramento, uso, gozo e/ou disposição do bem de família sem nenhuma contrapartida, à custa de terceiros", declarou a ministra.


"Portanto, a dívida relativa a contrato de empreitada global, porque viabiliza a construção do imóvel, está abrangida pela exceção prevista no artigo 3º, II, da Lei nº 8.009/1990", concluiu.


Leia o acórdão no REsp 1.976.743."


O tema também já foi bastante tratado por outros autores em livros específicos de Direito. Trazemos aqui o entendimento de Rita Vasconselos:


"O legislador, ao prever a exceção do inc. II, estava tratando do imóvel destinado à residência do devedor e de sua família, e não de qualquer imóvel, indistintamente. Mas, na situação descrita no dispositivo legal, seria aplicável, também, a ressalva do § 1.º do art. 833 do CPC/2015 (regra similar à do § 1.º do art. 649 do CPC/1973), pela qual “a impenhorabilidade não é oponível à execução de dívida relativa ao próprio bem, inclusive àquela contraída para sua aquisição”.


[...] Cassio Scarpinella Bueno observa que assim se evita “que o executado conserve a propriedade do bem que adquiriu à custa da concessão de um crédito que lhe foi dado para aquela mesma finalidade”.


A ressalva quanto aos bens que se consideram impenhoráveis, no Código de Processo Civil, e a exceção à impenhorabilidade legal do bem de família, prevista no inc. II do art. 3.º da Lei 8.009/1990, estão, então, em prefeita harmonia.


Efetivamente, seria ilógico imaginar que alguém pudesse contrair obrigações para construir ou adquirir seu imóvel residencial, furtar-se ao cumprimento de tais obrigações, e ainda arguir a impenhorabilidade desse mesmo imóvel por se tratar de bem de família.


Estão abrangidos na exceção do inc. II quaisquer financiamentos com a finalidade apontada, obtidos junto a particulares ou a instituições financeiras, entre estas as do Sistema Financeiro da Habitação." (grifou-se) [2]


 


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 #deolhonosTribunais. Fonte: Superior Tribunal de Justiça - STJ. Publicado em: 07/06/2022. Acesso em: 22/06/2022


[1] Contrato de empreitada global é aquele por meio do qual o empreiteiro se obriga a construir a obra e a fornecer os materiais.


[2] VASCONSELOS, Rita. Impenhorabilidade do bem de família. 2. Ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2015


 
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