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06 de julho de 2021
Covid-19

Justiça começa a discutir a possibilidade de demissão por justa causa em caso de recusa de funcionário(a) a se vacinar contra o Covid-19

A discussão é ainda bastante recente, uma vez que a vacinação começou em 17 de janeiro de 2.021 e ainda não há doses suficientes para toda a população brasileira.


A grande pergunta que paira no ar é: as empresas podem demitir por justa causa o empregado que se recusa a se vacinar?


Apesar de ainda existirem poucos casos com este tema na Justiça do Trabalho, já há uma decisão da 2ª Vara do Trabalho de São Caetano do Sul (SP) confirmando uma demissão por justa causa. O caso em específico envolve uma auxiliar de limpeza de um hospital que se recusou em tomar a vacina contra o Covid-19 por duas vezes.[1]


A funcionária alegou na ação trabalhista que não conseguiu expressar sua decisão em não tomar a vacina, sem trazer, contudo, qualquer motivo médico que justificasse.


Em contrapartida, o Hospital comprovou no processo que realizou campanhas sobre a importância da vacinação, em especial para os que atuam em áreas críticas do ambiente hospitalar, além disso, juntou advertência assinada pela trabalhadora por recusar a vacina. Outra negativa de vacinação pela mulher ocorreu menos de uma semana depois.


Para a magistrada Isabela Flaitt, é dever do empregador oferecer condições dignas que protejam a saúde, a integridade física e psíquica de todos os trabalhadores que lhe prestem serviços. No caso, ficou comprovado que a empresa cumpriu a obrigação de informar seus empregados sobre como se proteger e evitar possíveis transmissões da doença e, citando pneumologista especialista no assunto, afirmou que a vacina é a única e perfeita solução de controle de uma epidemia do porte da covid-19. 


Além disso, sobre a vontade dos funcionários, a magistrada acrescentou que a liberdade de consciência não deve se sobrepor ao direito à vida: "A necessidade de promover e proteger a saúde de todos os trabalhadores e pacientes do Hospital, bem como de toda a população deve se sobrepor ao direito individual da autora em se abster de cumprir a obrigação de ser vacinada".


Para fundamentar sua decisão, a magistrada apresentou o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que considerou válida a vacinação obrigatória disposta no artigo 3º da Lei 13.979/2020 (ADIs 6.586 e 6.587 e ARE 1.267.897), além mencionar guia técnico do Ministério Público do Trabalho[2] sobre a vacinação de covid-19, que prevê afastamento do trabalhador e considera falta grave a recusa injustificada em não se vacinar.


Assim, tanto o pedido de reversão de justa causa como o pagamento das verbas decorrentes foram julgados totalmente improcedentes.


Da possibilidade de demissão por justa causa


Apesar de termos uma decisão confirmando a demissão por justa causa de uma funcionária que se recusou a tomar a vacina contra o Covid-19, faz-se necessário observar cada caso individualmente.


No caso apresentado acima, a funcionária era auxiliar de enfermagem de um hospital infantil, área crítica e amplamente exposta ao novo coronavírus. A recusa à vacinação gera naquele ambiente um problema sanitário muito maior, envolvendo outros funcionários e, principalmente, pacientes.


Assim, há de se criar uma situação em que o funcionário possa ser primeiro conscientizado sobre a vacinação e, então, a demissão deve ser adotada como última medida, analisando a situação de cada ambiente de trabalho e seus colaboradores.


Nos dias atuais, com a possibilidade de que atividades laborais sejam exercidas de maneira remota, é inviável forçar um trabalhador a se vacinar se este está trabalhando de sua própria casa (enquanto se mantiver nessa condição).


Contudo, como reforçou a magistrada em sua decisão, é dever do empregador realizar campanhas de conscientização sobre a importância da vacina, fornecendo dados sobre os estudos mais recentes que suportam a sua eficácia, a fim de encorajar seus funcionários a tomá-la, bem como avisar sobre as datas de vacinação para cada grupo, em especial dos grupos prioritários.


Se, no entanto, devido à atividade empresarial, o trabalhador necessite comparecer presencialmente ao local de trabalho, essas medidas devem ser reforçadas. Assim, o caso deverá ser analisado de maneira mais específica, cabendo, eventualmente, uma advertência ao funcionário que se recuse a se vacinar.


Da previsão legal


 Analogicamente, tem-se usado como fundamento legal para a aplicação de penalidades de aspecto trabalhista ao empregado que injustificadamente recusa-se a se vacinar a CLT, nos artigos 157, incisos I e III[3], 158, incisos I e II[4] e 482, alínea “h”[5].


Além disso, sem prejuízo de outras normas, tem-se também a norma regulamentadora n.01, itens 1.4.2, alínea “a” e 1.4.2.1[6].


Não só as normas legais, mas o Supremo Tribunal Federal declarou ser constitucional a vacinação compulsória. Contudo, os ministros reforçaram que a medida não pressupõe forçar a vacinação, mas instituir algumas situações para que se torne eficaz.


A obrigatoriedade só poderá ser implementada, segundo Ricardo Lewandowisk:


“Por meio de medidas como a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que as medidas sejam acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações das vacinas.”


Como se pode observar, em todos os casos, só haverá a possibilidade de uma ação mais coercitiva com relação a vacina – incluindo a demissão– depois que outras medidas tiverem sido utilizadas sem sucesso, e observada a relevância de cada caso.


Demissão com justa causa ou sem justa causa?


Em que pese todas as considerações acima, a demissão deve ser dosada ao que efetivamente resume as conclusões do STF. Neste sentido não nos parece que a demissão por justa causa, em caso de recusa de um empregado se vacinar, esteja ausente de erros.


Há clara distinção entre a vacinação compulsória e possibilidade de se forçar alguém a se vacinar. A demissão por justa causa, portanto, poderá ser tida como a tentativa de forçar alguém a se imunizar, avançando arbitrariamente em direitos existenciais e patrimoniais já constituídos e que lhe seriam impedidos.


Ressalve-se que quando a atividade da empresa for a de área de saúde, farmacêutica, laboratorial ou quaisquer outras sujeitas ao risco biológico como doença profissional ou do trabalho, tem-se o uso obrigatório de Equipamentos de Proteção Individual-EPI e que estão sujeitos às regras legais, especialmente a NR 32 que, em determinado momento, poderá reverter os entendimentos como na decisão da 2ª Vara do Trabalho citada.


Destaque-se, para maior clareza, aquilo que ficou estabelecido na decisão plenária da ADI 6586-DF, tantas vezes citadas, “a vacinação compulsória não significa vacinação forçada, por exigir sempre o consentimento do usuário” e ainda, que “respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas” e “atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade”.


Assim, a demissão a ser implementada deverá ser avaliada a partir de critérios conservadores e de modo a evitar decisões equivocadas e retiradas de um contexto muito mais amplo.


A necessidade em se dar solução à contenção do avanço do vírus (Covid-19) neste momento terrível de pandemia pelo que todos passamos, não pode autorizar os erros que resultarão em graves danos e/ou prejuízos aos empregados e empregadores decorrentes de decisões apressadas.


Some-se aos pontos abordados neste tópico o entendimento de ser muito restrito os casos autorizadores da demissão por justa causa, uma vez que, mesmo vacinado, um empregado pode contrair o vírus e não há estudos específicos de que não haja mais o risco da transmissão.


Reitere-se que a demissão é medida extrema que pode ser adotada dentro de uma análise ampla e aplicada caso a caso e em especial, a demissão por justa causa, medida extremíssima, a nosso ver, que se aplicada genericamente como se tem alardeado, corre grande possibilidade de ser revertida ao longo das análises que fatalmente ocorrerão nas diversas instâncias da justiça especializada trabalhista.


 


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Fontes e materiais complementares:

[1] Notícia publicada no TRT-2. https://ww2.trt2.jus.br/noticias//noticias/noticia/news/empregada-de-hospital-infantil-se-recusa-a-tomar-vacina-contra-covid-19-e-recebe-justa-causa/?tx_news_pi1%5Bcontroller%5D=News&tx_news_pi1%5Baction%5D=detail&cHash=4a1f82c89c00b6edf90136534cc59a21
[2]https://mpt.mp.br/pgt/noticias/estudo_tecnico_de_vacinacao_gt_covid_19_versao_final_28_de_janeiro-sem-marca-dagua-2.pdf?utm_source=JOTA+Full+List&utm_campaign=0258cdae77-EMAIL_CAMPAIGN_2019_02_15_01_28_COPY_01&utm_medium=email&utm_term=0_5e71fd639b-0258cdae77-381770800
[3] Art. 157 - Cabe às empresas: I - cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho; III - adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente;            
[4] Art. 158 - Cabe aos empregados:  I - observar as normas de segurança e medicina do trabalho, inclusive as instruções de que trata o item II do artigo anterior; ll - colaborar com a empresa na aplicação dos dispositivos deste Capítulo.   
[5] Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: h) ato de indisciplina ou de insubordinação.
[6] 1.4.2 Cabe ao trabalhador: a) cumprir as disposições legais e regulamentares sobre segurança e saúde no trabalho, inclusive as ordens de serviço expedidas pelo empregador; 1.4.2.1 Constitui ato faltoso a recusa injustificada do empregado ao cumprimento do disposto nas alíneas do subitem anterior.


 

 
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