Para enfrentamento do estado de calamidade pública e da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus (COVID-19), foi editada pela Presidência da República a Medida Provisória nº 927, em 20/03/2020, contendo medidas trabalhistas que poderão ser adotadas pelos empregadores.
As alternativas serão aplicadas durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 2020, e, para fins trabalhistas, constitui hipótese de força maior, nos termos do artigo 501[1], da Consolidação das Leis Trabalhistas - CLT.
Por se tratar de medida provisória produz efeitos imediatos, mas seu prazo de vigência é de 60 (sessenta) dias, prorrogáveis uma vez por igual período perdendo a eficácia a partir de então caso não aprovada pelo Congresso Nacional. Nesta hipótese, ou ainda se rejeitada pela Câmara ou o Senado, os parlamentares têm que editar um decreto legislativo para disciplinar os efeitos jurídicos gerados durante sua vigência.
As medidas detalhadas pela MP são as seguintes:
I. o teletrabalho;
II. a antecipação de férias individuais;
III. a concessão de férias coletivas;
IV. o aproveitamento e a antecipação de feriados;
V. o banco de horas;
VI. a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho;
VII. o direcionamento do trabalhador para qualificação; e
VIII. o diferimento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS.
I. Do Teletrabalho
Para implantação desta alteração no regime de trabalho, o empregador poderá, a seu critério, alterar o regime de trabalho presencial para o teletrabalho, o trabalho remoto ou outro tipo de trabalho a distância e determinar o retorno ao regime de trabalho presencial, independentemente da existência de acordos individuais ou coletivos, dispensado o registro prévio da alteração no contrato individual de trabalho.
Considera-se teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância, a prestação de serviços preponderante ou totalmente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias da informação e comunicação que, por sua natureza, não configurem trabalho externo, aplicável o disposto no inciso III, do art. 62 da CLT[2].
O prazo para o empregador comunicar a mudança de regime de trabalho presencial para trabalho a distância está especificado em 48 (quarenta e oito) horas, no mínimo, podendo ocorrer por meio físico (escrito) ou eletrônico (e-mail, WhatsApp, etc.). De todo modo cabe ao empregador certificar-se do recebimento pelo destinatário do comunicado.
Quanto aos custos de infraestrutura, aquisição e despesas relacionadas aos serviços prestados à distância neste período, a MP prevê que serão objeto de ajustes entre empregadores e empregados, qual seja: “As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, pela manutenção ou pelo fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância e ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado serão previstas em contrato escrito, firmado previamente ou no prazo de trinta dias, contado da data da mudança do regime de trabalho” [3].
Nos casos em que o empregado não possua os equipamentos e a infraestrutura necessária para a prestação de serviços a distância o empregador poderá fornecer em comodato os equipamentos e disponibilizar a infraestrutura arcando com os respectivos custos, sem que isto caracterize verba de natureza salarial. Na impossibilidade do fornecimento de equipamentos e infraestrutura pelo empregador para o desenvolvimento das atividades, o período de jornada normal de trabalho do empregado será computado como estando à disposição do empregador.
Há também uma ressalva quanto ao tempo de uso de aplicativos e programas de comunicação fora da jornada de trabalho normal do empregado, que para os fins da MP não se constituirá em tempo à disposição do empregador, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou coletivo.
Todas as medidas adotas para o trabalho a distância tem sua aplicação permitida aos estagiários e aprendizes.
II. Da antecipação de férias individuais
Mediante aviso de no mínimo 48 (quarenta e oito) horas de antecedência, o empregador informará ao empregado sobre a antecipação de suas férias, bem como o período a ser gozado.
As condições fixadas para as férias concedidas em razão do estado de calamidade pública são:
a) não ter um período de gozo inferior a 5 (cinco) dias;
b) poderão ser concedidas pelo empregador mesmo que não transcorrido o período aquisitivo;
c) Os empegados que pertençam ao grupo de risco do coronavírus (covid-19) serão priorizados para o gozo de férias individuais ou coletivas;
d) O pagamento da remuneração das férias poderá ser efetuado até o quinto dia útil do mês subsequente ao início do gozo de férias;
e) O pagamento do adicional de um terço de férias poderá ser efetuado após a sua concessão até a data em que é devida a gratificação natalina, ou seja, 20 de dezembro.
Eventual requerimento do empregado para conversão de um terço das férias em abono pecuniário dependerá da concordância do empregador, aplicável, também neste caso, como data de pagamento aquela em que é devida a gratificação natalina.
Os empregadores e empregados poderão negociar, ainda, mediante acordo escrito, a antecipação de futuros períodos aquisitivos de férias.
III. Da concessão das férias coletivas
Durante o estado de calamidade pública, o empregador poderá, a seu critério, conceder férias coletivas, comunicando o conjunto de empregados afetados com antecedência de, no mínimo, 48 (quarenta e oito) horas. Não se aplicam às férias coletivas concedidas durante este período os limites estabelecidos pelo artigo 139, da CLT, de 2 (dois) períodos anuais e desde que nenhum deles seja inferior a 10 (dez) dias corridos.
IV. Do aproveitamento e da antecipação de feriados
Com exceção dos feriados religiosos que dependerá de acordo individual escrito com o empregado, os empregadores poderão antecipar o gozo de feriados, notificando o conjunto de empregados beneficiados com antecedência de até 48 (quarenta e oito) horas. O comunicado deve ocorrer sempre por escrito ou por meio eletrônico.
V. Do banco de horas
Durante o estado de calamidade pública, de que trata a MP, ficam autorizadas a interrupção das atividades pelo empregador e a constituição de regime especial de compensação de jornada, por meio de banco de horas, em favor do empregador ou do empregado, estabelecido por meio de acordo coletivo ou individual formal, para a compensação no prazo de até 18 (dezoito) meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública.
A compensação do saldo de horas poderá ser determinada pelo empregador independentemente de convenção coletiva ou acordo individual ou coletivo. Para o caso de recuperação do período interrompido a jornada normal poderá ser prorrogada em até 2 (duas) horas, desde que não exceda a 10 (dez) horas diárias.
VI. Da suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho
A medida provisória suspende a obrigatoriedade de realização dos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, exceto dos exames demissionais, durante o estado de calamidade pública, os quais deverão ser realizados em até 60 (sessenta) dias contados da data do seu encerramento. O exame demissional, no entanto, poderá ser dispensado caso o exame médico ocupacional mais recente tenha sido realizado há menos de 180 (cento e oitenta) dias.
Do mesmo modo fica suspensa a obrigatoriedade dos treinamentos periódicos previstos em normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho, os quais serão realizados no prazo de 90 (noventa) dias, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública. Alternativamente os treinamentos poderão ser realizados na modalidade de ensino a distância e caberá ao empregador observar os conteúdos práticos, de modo a garantir que as atividades sejam executadas com segurança.
A composição das comissões internas de prevenção de acidentes poderá ser mantida até o encerramento do estado de calamidade pública e os processos eleitorais em curso para eleição de novos membros poderão ser suspensos.
VII. Do direcionamento do trabalhador para qualificação
O dispositivo que tratava da suspensão do contrato de com o direcionamento do trabalhador para qualificação trabalho foi revogado um dia depois da entrada em vigor da medida provisória.
VIII. Do deferimento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS
O recolhimento do FGTS pelos empregadores para as competências de março, abril e maio de 2020 com vencimento em abril, maio e junho de 2020 tiveram a sua exigibilidade suspensa, independentemente do número de empregados, regime de tributação, natureza jurídica e ramo de atividade do empregador. A prerrogativa também não exige adesão prévia.
O recolhimento das competências de março, abril e maio de 2020 poderá ser realizado em até 6 (seis) parcelas mensais, com vencimentos no sétimo dia de cada mês, a partir julho de 2020. Para tanto deverá declarar as informações até o dia 20 de junho de 2020. Deixando de assim proceder os valores não declarados serão considerados em atraso e obrigarão o pagamento integral da multa e dos encargos devidos.
Na hipótese de rescisão do contrato de trabalho a suspensão da exigibilidade estará resolvida e o empregador obrigado ao recolhimento dos valores correspondentes sem incidência da multa e dos encargos, desde que pago dentro do prazo legal estabelecido para sua realização além daqueles relativos aos depósitos referentes ao mês da rescisão e ao imediatamente anterior, que ainda não houver sido recolhido.
As eventuais parcelas vincendas terão sua data de vencimento antecipada para recolhimento no prazo aplicável aos valores devido na rescisão (mês da rescisão e ao imediatamente anterior).
Foram suspensos por 120 (cento e vinte) dias contados desde a entrada em vigor da medida provisória os prazos prescricionais dos débitos relativos ao FGTS. Por sua vez, os prazos dos certificados de regularidade emitidos anteriormente à esta data estão prorrogados por 90 (noventa) dias, também contados da entrada em vigor da medida.
IX. Outras disposições em matéria trabalhista
A medida provisória trouxe ainda as seguintes disposições para aplicação durante o estado de calamidade:
a) Permissão para prorrogação da jornada de trabalho mediante acordo individual escrito e adoção de escala de horas suplementares do intervalo intrajornada, nos estabelecimentos de saúde;
b) Os prazos processuais para apresentação de defesa e recurso no âmbito de processos administrativos originados a partir de autos de infração trabalhistas e notificações de débito de FGTS ficam suspensos por 180 (cento e oitenta) dias contados da entrada em vigor da medida provisória;
c) Os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causa;
d) Os acordos e as convenções coletivos vencidos ou vincendos, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da data de entrada em vigor da Medida Provisória, poderão ser prorrogados, a critério do empregador, pelo prazo de 90 (noventa) dias, após o termo final deste prazo;
e) Atuação de maneira orientadora dos Auditores Fiscais do Trabalho do Ministério da Economia, exceto quanto a: i) falta de registro de empregado, a partir de denúncias; ii) situações de grave e iminente risco, somente para as irregularidades imediatamente relacionadas à configuração da situação; iii) ocorrência de acidente de trabalho fatal apurado por meio de procedimento fiscal de análise de acidente, somente para as irregularidades imediatamente relacionadas às causas do acidente; e iv) trabalho em condições análogas às de escravo ou trabalho infantil.
As alterações introduzidas pela MP se aplicam nas relações de trabalho regidas pela Lei 5889/73 (trabalho rural), Lei 6019/74 (trabalho temporário nas empresas urbanas) e no que couber, Lei Complementar nº 150/2015 (contrato de trabalho doméstico).
Não se aplicam aos trabalhadores em regime de teletrabalho, nos termos do disposto na medida provisória, as regulamentações sobre trabalho em teleatendimento e telemarketing.
Washington Ailton Ferreira. Advogado e Consultor Jurídico. Sócio-diretor da Washington Ailton & Oliveira Ferreira - Sociedade de Advogados
[1] Art. 501 - Entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente.
§ 1º - A imprevidência do empregador exclui a razão de força maior.
§ 2º - À ocorrência do motivo de força maior que não afetar substancialmente, nem for suscetível de afetar, em tais condições, a situação econômica e financeira da empresa não se aplicam as restrições desta Lei referentes ao disposto neste Capítulo.
[2] O Capítulo II da CLT, Seção II, trata da Jornada de Trabalho. O inciso III introduzido pela Lei 13427/2017 exclui a modalidade de teletrabalho do regime ali tratado.
[3] Medida Provisória 927, art. 4º, § 3º - <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Mpv/mpv927.htm>